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Violência obstétrica no Brasil

A violência obstétrica é uma violência de gênero caracterizada pela apropriação do corpo e dos processos reprodutivos das mulheres por instituições de saúde e profissionais que atuam nessas instituições durante o ciclo gravídico-puerperal ou abortamento, através de tratamentos desumanizados e abuso da medicalização e patologização dos processos naturais, tirando das mulheres a autonomia para decidir livremente sobre seus corpos e sexualidade. Poucas pessoas conseguem reconhecê-la, devido à naturalização de diversas condutas obstétricas inadequadas (que por vezes são reforçadas em programadas de entretenimento como novelas e filmes) e a ausência de legislação federal específica que a tipifique adequadamente - na legislação brasileira, a violência obstétrica está inserida no rol de violências contra a mulher.


De modo geral, ela pode ser identificada durante a gestação, parto, pós-parto e abortamento, tanto em serviços públicos quanto em particulares (clínicas, hospitais, casas de parto, em partos domiciliares etc.), e é praticada não somente pela classe médica, como também pelos outros profissionais que atuam na instituição (enfermeiros, técnicos de enfermagem, assistentes, seguranças, recepcionistas etc.).



Violências obstétricas mais comuns praticadas na gestação

  • Negar atendimento à mulher ou impor dificuldades ao atendimento em locais onde é realizado o acompanhamento pré-natal;

  • Fazer comentários constrangedores à mulher, por sua cor, raça, etnia, idade, escolaridade, religião ou crença, condição socioeconômica, estado civil ou situação conjugal, orientação sexual, número de filhos etc.;

  • Ofender, humilhar ou xingar a mulher ou sua família;

  • Negligenciar o atendimento de qualidade;

  • Realizar toques vaginais fora do trabalho de parto;

  • Agendar cesárea sem recomendação baseada em evidências científicas ou convencer a mulher a pedir por uma, atendendo aos interesses e conveniência do profissional de saúde.


Violências obstétricas mais comuns praticadas no trabalho de parto, parto e pós-parto imediato

  • Recusar ou retardar a admissão no local do parto;

  • Impedir a entrada da Doula e do (a) acompanhante escolhido (a) pela mulher;

  • Realizar procedimentos que incidam sobre o corpo da mulher, interfiram, causem dor ou dano físico e ou psicológico;

  • Restringir alimentação e hidratação no trabalho de parto;

  • Realizar tricotomia (raspagem dos pelos pubianos) ou lavagem intestinal sem o consentimento expresso da mulher;

  • Realizar toques vaginais excessivos e desnecessários, sucessivamente e por pessoas diferentes;

  • Induzir a mulher a fazer cesariana sem indicação real, utilizando justificativas não embasadas em evidências científicas ("você não tem passagem", "o bebê está passando da hora; você não quer que ele morra, né?", "você não vai conseguir parir, então vamos logo para a cesárea" etc.);

  • Impedir a livre escolha da posição para parir (obrigar a mulher a ficar em posição de litotomia, por exemplo);

  • Realizar intervenções desnecessárias, sem o consentimento expresso da mulher, como o uso de soro com ocitocina sintética, episiotomia (corte no períneo "para facilitar o parto"), manobras para acelerar o parto, descolamento de membranas, massagem perineal, toque anal etc.;

  • Negar analgesia após os 8 cm de dilatação;

  • Realizar manobras proibidas ou sem base em evidências científicas, como a de Kristeller (empurrar a barriga "para o bebê descer") e a de Valsalva com puxos dirigidos (pedir para prender a respiração e fazer força prolongadamente em alguns momentos, impedindo que os puxos ocorram espontaneamente);

  • Dizer que a mulher não está fazendo força corretamente;

  • Ridicularizar a dor, ofendendo a mulher ou ameaçando-a;

  • Mandar a mulher se calar;

  • Negar ou deixar de anestesiar em caso de suturas;

  • Realizar procedimentos no bebê sem o consentimento expresso;

  • Impedir ou retardar o contato do bebê com a mulher logo após o parto sem motivos reais;

  • Impedir ou dificultar o aleitamento materno;

  • Impedir o alojamento conjunto entre mãe e bebê, levando o recém-nascido para berçário sem necessidade médica;

  • Toda ação verbal ou comportamental que cause na mulher sentimentos de inferioridade, vulnerabilidade, abandono, instabilidade emocional, medo, acuação, insegurança, dissuasão, ludibriamento, alienação, perda de integridade, dignidade e prestígio.


Violências obstétricas mais comuns praticadas no abortamento

  • Negar ou demorar a atender a mulher em situação de abortamento;

  • Questionar a mulher quanto à causa do abortamento (se intencional ou não);

  • Realizar procedimentos predominantemente invasivos, sem explicação, consentimento e, frequentemente, sem anestesia;

  • Ameaçar, acusar e culpabilizar a mulher;

  • Coagir a mulher com a finalidade de conseguir uma confissão e denunciá-la à polícia.


Dentro dos serviços de saúde, tanto usuárias quanto profissionais geralmente não associam os maus-tratos como formas de violência. Muitas mulheres sentem dificuldades para identificar e compreender as ações violentas sofridas nesses contextos, outras sequer conseguem falar a respeito pela complexidade emocional envolvida com essas experiências, além de sentirem medo e vergonha. Contudo, denunciar casos de violência obstétrica é fundamental para que a humanização da assistência à saúde feminina seja efetiva e se regulamentem os projetos de lei que tipificam essa forma de violência.


Se você sofreu alguma violência obstétrica, denuncie! Para tal, você pode:

  • Exigir cópia de seu prontuário junto à instituição de saúde onde foi atendida. Essa documentação pertence a você, podendo ser cobrado apenas o valor referente aos custos das cópias;

  • Procurar a Defensoria Pública, independentemente de você ter usado o serviço público ou privado;

  • Denunciar à Ouvidoria da instituição de saúde;

  • Denunciar ao Ministério Público do estado onde está endereçada a instituição (em caso de instituições federais, a denúncia deve ser feita ao Ministério Público Federal);

  • Denunciar aos conselhos regionais dos profissionais que cometeram a violência (CRM, por exemplo);

  • Ligar para o Disque 180 (violência contra a mulher).


Além de realizar a denúncia, procurar a ajuda de um (a) profissional de Psicologia e uma Doula pós-parto pode ser muito importante para que consiga lidar melhor com as emoções e memórias dessa experiência de violência. Não fique desamparada!


Ademais, há alguns mecanismos que podem te ajudar a evitar esse tipo de violência, tais como:

  • Contratar uma doula. Ela te ajudará a ter acesso às informações necessárias para que você se empodere e tenha cada vez mais autonomia sobre seu próprio corpo, além de oferecer suporte físico e emocional;

  • Escrever um Plano de Parto e protocolá-lo na instituição onde você for atendida. É nesse documento que você dirá expressamente quais intervenções você não gostaria que fossem realizadas em seu parto;

  • Pesquisar sobre as legislações que regulamentam os atendimentos à gestação, parto, pós-parto e abortamento e tê-las em mãos.


 

Referências


AMORIM, M. M. R.; KATZ, L. O papel da episiotomia na obstetrícia moderna. Femina, v. 36, n. 1, 2008, p. 47–54.


BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Políticas de Saúde. Área Técnica de Saúde da Mulher. Parto, aborto e puerpério: assistência humanizada à mulher. Brasília, Ministério da Saúde, 2001.


CIELLO, C. et al. Parto do princípio. Mulheres em Rede pela Maternidade Ativa. Dossiê da Violência Obstétrica "Parirás com dor". 2012. Disponível em: <https://www.senado.gov.br/comissoes/documentos/SSCEPI/DOC%20VCM%20367.pdf>. Acesso em: 27 de março de 2018.


DINIZ, C. S. G. Humanização da assistência ao parto no Brasil: os muitos sentidos de um movimento. Ciência & Saúde Coletiva, v. 10, n. 3, p. 627–637, 2005.


DINIZ, C. S. G.; CHACHAM, A. S. O ‘corte por cima’ e o ‘corte por baixo’: o abuso de cesáreas e episiotomias em São Paulo. Questões Saúde Reprod., v.1, n.1, p.80-91, 2006.


DINIZ, C. S. G. et al. Violência obstétrica como questão para a saúde pública no Brasil: origens, definições, tipologia, impactos sobre a saúde materna, e propostas para sua prevenção. Rev Bras Crescimento Desenvolvimento Hum, v. 25, n. 3, p. 377-384, 2015.

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