A doula e o empoderamento feminino
- Mulher Cíclica
- 3 de abr. de 2019
- 6 min de leitura

Por muito tempo na história da humanidade, o contexto da gestação, parto e pós-parto era protagonizado unicamente por mulheres, que auxiliavam umas as outras como parteiras, ou dando apoio emocional e orientações práticas, ou ajudando nos cuidados pós-parto e amamentação. Basta observar obras artísticas antigas que retratam cenas de partos, e verá que sempre há outras mulheres junto à parturiente.

Ilustração de Jacob Rueff, representando uma cena de parto da Idade Média.
Isso começou a mudar radicalmente a partir das primeiras universidades de Medicina no século XIII (locais dos quais somente homens poderiam fazer parte, excluindo as figuras das parteiras e das curandeiras) e surgimento da Obstetrícia, também majoritariamente masculina, nos séculos XVII e XVIII (EHRENREICH, 2010).
Com a hospitalização do parto em meados do século XX, essa realidade se agravou ainda mais, tirando de cena as parteiras e suas ajudantes, e consequentemente o auxílio emocional e físico que mulheres prestavam umas às outras nesse momento (EHRENREICH, 2010). Como parte do processo de integração entre os saberes tradicionais e o conhecimento científico contemporâneo, essas mulheres ressurgem, com nova roupagem e formas de atuação, agora conhecidas como doulas.
De origem grega (δούλα), a palavra doula pode ser traduzida como "mulher que serve", utilizada originalmente para designar serviçais e escravas. Apesar de na Grécia tal palavra ainda ter conotação negativa, a partir da década de 1970 o conceito de doula passou a ter um novo significado. Na obra "The Tender Gift: Breastfeeding", a antropóloga norteamericana Dana Raphael referiu-se à doula como a mulher que auxiliaria as novas mães na amamentação (RAPHAEL, 1973; SIMAS, 2016), ganhando ainda mais abrangência a partir de 1983, com os estudos dos médicos Marshall Klaus e John Kennell, que trouxeram os benefícios da atuação dessa profissional não somente na amamentação, mas em todo o ciclo gravídico-puerperal (KLAUS, KENNELL, 1983).
O reconhecimento e a profissionalização
Respeitada em países como os Estados Unidos e Inglaterra, a doula é compreendida atualmente como a profissional que oferece suporte contínuo emocional, físico e informacional à mulher durante a gestação, parto e pós-parto, com base em evidências científicas atualizadas (FADYNHA, 2003; SIMAS, 2016). No Brasil, sua atuação tem ganhado cada vez mais espaço, estando inserida no Cadastro Brasileiro de Ocupações, de número 322135 (BRASIL, 2013).
Embora ainda não haja legislação específica para a prática e formação, a doulagem brasileira inspira-se no modelo estadunidense e é reconhecida por instituições como a Organização Mundial da Saúde (OMS) e Ministério da Saúde (MS), com seus benefícios comprovados por diversas pesquisas científicas (AMORIM, 2012; SIMAS, 2016; BOHREN et. al., 2017).
Os benefícios de ser acompanhada por uma doula
Os estudos de Klauss e Kennell (1983) identificaram que ser acompanhada por uma doula pode trazer:
Redução de 50% nos índices de cesariana;
Redução de 25% na duração do trabalho de parto;
Redução de 60% nos pedidos de analgesia peridural;
Redução de 30% no uso de analgesia peridural;
Redução de 40% no uso de ocitocina sintética;
Redução de 40% no uso de fórceps;
Aumento no sucesso da amamentação;
Interação satisfatória entre mãe e bebê;
Satisfação com a experiência do parto;
Redução da incidência de depressão pós-parto;
Diminuição nos estados de ansiedade e baixa autoestima.
Em concordância com esses dados, em 2017, a respeitada plataforma Cochrane publicou uma revisão a respeito do suporte contínuo a mulheres durante o parto (BOHREN et. al., 2017). Nessa revisão, realizou-se o levantamento randomizado de 27 estudos científicos envolvendo 15.858 mulheres de 17 países diferentes e foi verificado que esse suporte de fato traz diversos benefícios, incluindo:
Aumento dos índices de partos vaginais espontâneos;
Menor duração do trabalho de parto;
Redução dos índices de cesáreas, partos instrumentais e uso de analgesia;
Escores de Apgar mais altos;
Maior satisfação e sentimentos positivos da mulher com relação ao parto e maternidade;
Nenhum prejuízo pelo recebimento desse suporte.
Além dos estudos, muitos relatos de mulheres grávidas e paridas reafirmam todos os benefícios que a atuação de uma doula traz para esse momento tão importante e cheio de mudanças que é o ciclo gravídico-puerperal (SIMAS, 2016). Ela não empodera, mas ajuda a mulher a se empoderar, a ter autonomia sobre seu próprio corpo e próprias decisões do gestar ao maternar, e a ser protagonista em seu próprio parto. Como disse o médico John Kennell, "se a doula fosse um remédio, seria antiético não receitar".
O que a Doula faz exatamente?
Oferece um acompanhamento contínuo e personalizado à mulher, de acordo com as necessidades específicas dela e dentro dos limites da doulagem, na gestação, no parto e nas primeiras semanas pós-parto;
Acolhe os questionamentos, medo, ansiedade e demais emoções da mulher acerca desse momento de intensas transformações em sua vida;
Fornece informações baseadas em evidências científicas, tirando dúvidas da mulher e auxiliando-a em seu empoderamento e tomada de decisões estratégicas (a doula não decide por ela, mas informa sobre as diferentes possibilidades para que a mulher, ciente dos prós e contras, possa decidir);
Conversa com a mulher sobre fisiologia da gestação, parto e pós-parto e aspectos emocionais e comportamentais desses períodos;
Ajuda a integrar o (a) acompanhante/companheiro (a) a esse momento, de modo que ele (a) possa atuar ativamente junto à mulher na gestação, parto e pós-parto, se for de desejo dessa mulher;
Presta consultorias e orientações a respeito de cuidados não farmacológicos no ciclo gravídico-puerperal, tipos e locais de parto, vias de nascimento, posições para parir, violência obstétrica, assistência humanizada, a chegada do puerpério, aspectos da amamentação etc.;
Pode utilizar exercícios e técnicas de práticas integrativas e complementares de saúde, como aromaterapia, massagens, escalda-pés, acupressão, rebozo, exercícios na bola suíça etc.;
Acompanha a mulher independentemente da via de nascimento, tipo e local de parto escolhido. Não é só para quem quer parir em seu domicílio, mas também para mulheres que vão parir na casa de parto, no hospital, de parto natural, normal, em cesáreas necessárias etc.
E o que ela não faz?
A doula não realiza procedimentos clínicos como exames de toque, manobras, aferimento de pressão arterial, auscultação dos batimentos cardíacos, tampouco "faz" partos (ela não "faz" parto, mas faz parte - a doula faz o que nenhum outro profissional fará por essa mulher);
Não oferece apoio psicológico (o apoio é emocional; apoio psicológico é com profissional de Psicologia!);
Não discute procedimentos técnicos com a equipe que está assistindo ao parto (ela não está aí para competir com você, viu Sr. obstetra?);
Não oferece trabalho "2 em 1" - ou seja, ainda que tenha outras formações, se estiver atuando como doula, não atua simultaneamente como enfermeira, psicóloga, fisioterapeuta etc.;
Não tem vinculação hierárquica com a equipe do parto (a doula serve unica e exclusivamente à mulher);
Não impõe religião ou crenças pessoais;
Não toma decisões pela mulher, nem responde por ela;
Não substitui o (a) acompanhante no parto (os papeis de doula e de acompanhante são bem diferentes, mas complementares).
Quando contratar uma doula?
Se a doula é aquela profissional que atua oferecendo suporte emocional, físico e informacional em todo o ciclo gravídico-puerperal, a mulher pode contratá-la em qualquer momento desse ciclo. Muitas mulheres contratam doulas enquanto ainda estão tentando engravidar, ou logo no início da gestação; outras deixam para contratar dias antes do parto, enquanto algumas optam pelo acompanhamento somente no puerpério.
Quanto custa ter uma doula?
Como diz Amanda Franco, doulas "são fadas-ninjas notívagas trabalhadas no Gatorade poligraduadas em mulher" (FRANCO, 2018). Se realmente comprometida com a qualidade, a doula é a profissional que estuda muito para oferecer um serviço de excelência; é capaz de ficar horas (às vezes dias) junto com a mulher no trabalho de parto, sem dormir nem cinco minutinhos; é aquela que investe em aperfeiçoamento constante para fazer a diferença no empoderamento e bem-estar da mulher. Por isso, doulas cobram por aquilo que valem, com valor compatível com o que oferecem.
Gostaria de ser acompanhada por uma doula que ofereça serviços de qualidade? Entre em contato com a gente pelo e-mail mulherciclica@gmail.com. Os serviços de doulagem da Mulher Cíclica são realizados no Distrito Federal pelas Doulas Jéssica Portes e Raissa Mendes. Entenda mais aqui.
Referências
AMORIM, M. M. R.; KATZ, L. Continuous support for women during childbirth: RHL commentary (last revised: 1 May 2012). The WHO Reproductive Health Library. Geneva: World Health Organization.
BOHREN, M. A.; HOFMEYR, G. J.; SAKALA, C.; FUKUZAWA, R. K.; CUTHBERT, A. Continuous support for women during childbirth. Cochrane Database of Systematic Reviews, 2017, Issue 7. Art. N.: CD003766. DOI: 10.1002/14651858.CD003766.pub6.
BRASIL. Ministério da Saúde (MS). Parto, aborto e puerpério: assistência humanizada à mulher. Brasília: MS/FEBRASGO/ABENFO, 2001.
_______. Ministério da Saúde (MS). Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da a Mulher: princípios e diretrizes. Brasília: MS, 2004.
_______. Ministério do Trabalho (MT). Código Brasileiro de Ocupações, 2013. Disponível em <http://www.mtecbo.gov.br/cbosite/pages/pesquisas/ResultadoOcupacaoMovimentacao.jsf>. Acesso em 2 abril de 2018.
EHRENREICH, B.; ENGLISH, D. Witches, midwives & nurses: a history of women healers. Nova Iorque, Estados Unidos da América: Feminist Press, 2010.
FADYNHA. A doula no parto: o papel da acompanhante de parto especialmente treinada para oferecer apoio contínuo físico e emocional à parturiente. São Paulo: Editora Ground, 2011.
FRANCO, A. http://www.amandafrancofoto.com/post/16810-quanto-custa-fotografa-de-parto
KLAUS, M.; KENNELL, J. Mothering the mother: how a doula can help you to have a shorter, easier and healthier birth. Cambridge, Massachusetts, Estados Unidos da América: Perseus Books, 1983.
ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE (OMS). Assistência ao parto normal: um guia prático. Genebra: OMS, 1996.
SIMAS, R. Doulas e o movimento pela humanização do parto: poder, gênero e a retórica do controle das emoções / Raquel Simas. – 2016. 143 f. Orientador: Luiz Fernando Rojo Mattos. Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal Fluminense. Instituto de Ciências Humanas e Filosofia, Departamento de Antropologia, 2016.
TORNQUIST, C. S. Parto e poder: o movimento pela humanização do parto no Brasil. Tese (Doutorado). PPGAS/UFSC, Florianópolis, 2004.
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